Autismo na idade adulta

Créditos: ThePotholeView.com
Por Claudia Moraes

Não é nada fácil receber o diagnóstico de autismo para um filho, e, talvez por isso, os médicos tenham encontrado no termo “Autismo Infantil” para facilitar as coisas, uma maneira mais suave de abrandar o golpe, pois dá aos pais, quase sempre leigos no assunto, a esperança de que se é infantil, um dia poderá acabar, já que, afinal, os filhos não serão crianças para sempre. Então, munidos de um sentimento maior, da esperança de que o transtorno não seja tão grave e possa ser revertido, eles se atiram com mais garra às buscas. Esse é um dos maiores mitos do autismo, o da infância permanente.
Estou aqui, juntando a minha voz a tantas outras vozes que clamam por um atendimento digno aos autistas no nosso país. É urgente e preciso conscientizar a todos da necessidade de intervir rapidamente, para proporcionar ao autista a oportunidade de uma vida mais próxima da normalidade, uma vida mais produtiva e mais independente. As pessoas necessitam saber da proporção que a incidência do autismo vem tomando, hoje de 1 a 150 nascidos, e embora esse seja considerado um número alto, o autismo ainda é um desconhecido para a grande maioria da população. É preciso atentar para a expressividade desse número, bem como ajudar a aumentar a compreensão das pessoas sobre o que é o autismo, principalmente entre governantes, profissionais da saúde, educação e serviço social, ainda tão distanciados das especificidades da síndrome, tão determinantes no dia-a-dia da pessoa com autismo.

Essa tomada de consciência poderá reverter-se em melhor qualidade de vida para autistas e suas famílias, e é isso o que todos nós buscamos. Precisamos revelar o autismo para a sociedade em geral, e esse é um trabalho que já vem sendo feito pelas associações de pais, e nas campanhas pelo Dia Mundial de Conscientização do Autismo (2 de abril) , mas que deverá ser cada vez mais intensificado.
Essa é uma realidade que precisa ser discutida, mas fui convidada a escrever sobre uma condição ainda mais específica, a realidade do autismo em adultos. Comecemos então:

O que é ser adulto?

“Ser adulto, implica entre outros aspectos abordar novas necessidades referentes a autonomia, auto-estima, auto-determinação, trabalho, relações socioafetivas, sexualidade, etc. Mas, ser adulto implica também que os demais nos vejam como tal. Numa perspectiva social, ser uma pessoa adulta, indica pertencer a um grupo social concreto, no qual existem pautas de comportamento diferentes da etapa infantil ou juvenil. Ests etapa supõe um novo marco de direitos e obrigações; entre eles está o direito ao trabalho e entre as obrigações, a de contribuir para o desenvolvimento da sociedade”. (APADEA - Associación Argentina de Padres de Autistas).

É assim que vemos nossos filhos autistas adultos hoje? É assim que a sociedade em que estamos inseridos os trata?

Há mais de 20 anos, quando comecei a busca por um diagnóstico correto para meu filho, digo correto, porque diagnósticos ele teve muitos, mas todos equivocados, e ele o conseguiu realmente aos 12 anos de idade. Vocês, leitores, podem imaginar quantas lutas tive de travar com o desconhecimento da síndrome, com o preconceito, com a falta de informações, com a falta de atendimento clínico e educacional especializados, com a falta de políticas públicas, enfim, naquela período, éramos poucos pais, sozinhos, contra um mundo que desconhecia o autismo. A proporção de autistas, segundo as estatísticas naquela época, era de mais ou menos 1 a cada 10 000 nascidos, e hoje com a proporção de 1 a cada 150, continuamos ainda travando quase que as mesmas lutas, exceto a da desinformação, pois graças à Internet, à Revista Autismo e a outros meios de comunicação, os pais têm mais acesso às informações para saber realmente aquilo que o seu filho tem.

E é por haver trilhado um caminho que muitos de vocês ainda não trilharam, pois acredito que a maioria dos leitores seja de pais de crianças, é que estou aqui, para lhes chamar a atenção para a questão do autismo na fase adulta, para dizer-lhes que é preciso conscientizar a sociedade sobre esse tema.

Em seu livro Conscientização, o educador Paulo Freire nos diz que: “quanto mais conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da práxis, ou melhor, sem o ato ação–reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens.”

Isso é o que venho propor, conscientização, para que esta leve à reflexão-ação e possamos juntos mudar a dura realidade de vida que tantos adultos autistas vêm enfrentando, e consequentemente, transformar o mundo que os rodeia.
Há bastante tempo, uma senhora me contou, que ao receber o diagnóstico do filho, o médico lhe disse: seu filho tem Autismo Infantil, e ela como desconhecia o assunto, ficou atordoada no começo, ao receber a notícia, mas depois pensou com seus botões: é uma doença da infância, quando ele crescer tudo já terá passado. Como eu já havia dito no começo do texto, essa foi uma forma de se auto-acalentar, mas só um tempo depois, pesquisando, foi descobrir que o autismo não desaparecia com a infância, que seu filho poderia melhorar sim, mas que continuaria sendo um autista, na adolescência, na idade adulta e na senilidade...

Com o passar do tempo, vem a experiência, e o coração dos pais sempre se aperta quando pensam: o que vem depois? O que será de meu filho quando eu já não mais estiver por aqui?

Uma vez li a seguinte frase: “No autismo o movimento para a vida adulta deve ser como cair em um abismo."

Mas, recordo-me que, ainda no tema abismo”, Nietzsche disse: "Quando você olha muito tempo para dentro de um abismo, o abismo olha de volta para dentro de você."
E essa é uma verdade que nós pais de autistas adultos descobrimos da pior forma: a queda no abismo e os seus questionamentos sobre nós. Com isso estou querendo dizer que a diferença entre os serviços disponíveis às crianças e os disponíveis para os adultos é gritante.

Autistas adultos, de uma maneira geral, não têm acesso ao trabalho; a escola (quando os aceita) já não é adequada; muitos terapeutas passam a não acreditar que eles venham a apresentar melhoras e acham que investir neles é tempo perdido; não há lazer adequado; os pais já estão cansados, envelhecidos e sem o mesmo pique do início da vida. Enfim, tudo fica mais difícil para os adultos.

A falta de residências abrigadas ou assistidas, onde eles possam conviver com outras pessoas de sua idade, e onde os pais possam ter confiança em deixá-los, tiraria de suas costas o peso de não saber o futuro dos filhos quando eles já não estivessem por aqui. Essa é também mais uma das nuances da dura realidade que as famílias têm de passar.

Charlotte Moore, autora do livro George & Sam (sobre seus dois filhos autistas), diz com muita propriedade que “quando seus filhos estão presos em um mundo de gritos e auto-agressão, você gostaria de receber um tratamento seguro para aliviar os sintomas”, mas que não é o mesmo que “desejar que o autismo desapareça".

Além disso, não é isso que os pais com os pés na realidade do transtorno querem para os filhos, que seus “autismos” desapareçam. Queremos mesmo é a oportunidade de tratá-los, a oportunidade de fazer diferente, de poder abrir-lhes o horizonte.

Como se não bastassem todas sobre os pais, precisamos ainda mostrar às pessoas e principalmente aos governantes (sim, aqueles que nós mesmos colocamos no poder) que o destino de um autista adulto não deve se limitar a ingerir grandes doses medicamentosas (a fim de tranquilizá-los) e serem colocados em frente a uma TV pelo o resto de suas vidas. Eles podem se tornar adultos independentes e produtivos para a sociedade, e para isso, eles só necessitam de investimento. Um projeto de atendimento ao autista adulto é vantajoso, nossos governantes precisam aprender a olhar a longo prazo. O custo que um autista adulto dá aos cofres públicos, se este for investido num atendimento especializado, é menor que os gastos com internações constantes ou prolongadas, com medicações excessivas e muitas vezes desnecessárias. Também não devemos aqui olhar apenas o lado do investimento financeiro, mas o investimento na qualidade de vida de cidadãos, que devem ter os seus direitos respeitados. Fornecer apoio e atendimento especializado para melhorar a vida dessas pessoas e suas famílias tem compensação certa ao longo do tempo.

E a nós, pais, caberá o direito que ainda não nos é dado: viver uma velhice sem tantas preocupações em relação àqueles que estaremos deixando neste mundo. Também o direito inalienável de morrer, isto mesmo, eu estou falando sério, “o direito de morrer”, pois até isso nos é negado na atual situação de nosso país com relação ao apoio que deveria ser dado aos autistas no caso da morte de seus pais. É certo que nós, pais de autistas, temos os nossos muitos super-poderes, pois fazemos multiplicar dinheiro para pagar as intervenções, somos polivalentes e multifacetados, temos a propriedade de estar em vários lugares ao mesmo tempo, precisamos de poucas horas de sono, muitas vezes somos pais, terapeutas, educadores, enfermeiros, cabeleireiros, etc. Como diz o Faustão, “nos viramos nos trinta”. Agora, o poder de sermos eternos ainda não nos foi dado, mas, bem que se pudéssemos escolher...

Claudia Coelho de Moraes é mãe do Gabriel, autista clássico de 23 anos, e do Matheus, neurotípico de 22. É professora, graduanda em Pedagogia pela UNIRIO e presidente da APADEM (Associação de Pais de Autistas e Deficientes Mentais de Volta Redonda, RJ) em seu segundo mandato.

Fonte: REVISTA AUTISMO. número 2, ano 2. 2012. p. 26-27.

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