Autismo: vida adulta e envelhecimento

Por Claudio Hunter Watts [1]

Leo Kanner (1896-1981) foi um psiquiatra austríaco que realizou a descrição da síndrome de autismo. Nascido no Império Austro-Húngaro e graduado em Medicina em Berlim, migrou para os Estados Unidos em 1923. Em 1930, contribuiu para o desenvolvimento do serviço de Psiquiatria Infantil do Hospital Johns Hopkins, em Baltimore, do qual foi um dos fundadores. Seu primeiro livro foi “Child Psychiatry” (Psiquiatria Infantil), mas seu trabalho mais destacado foi “Autistic Disturbances of Affective Contact” (1943) e é um dos fundamentos para o conhecimento do autismo.

Se bem que até aquele momento, as crianças com condutas autísticas eram confundidas com pessoas esquizofrênicas e, ao longo dos anos, os critérios para diagnósticos foram modificados. De qualquer maneira, o autismo "chegou à fama" graças a Hollywood, com a produção do filme Rain Man (“Rain Man - Encontro de Irmãos”, em Portugal), estrelado por Dustin Hoffman e Tom Cruise, vencedor dos prêmios "Oscar", em 1988, de Melhor Ator, Melhor Diretor, Melhor Filme e melhor roteiro original.

Assim, começaram a aparecer nos meios de comunicação notícias sobre o autismo, desde suas características até suas possíveis curas. Também se tornou conhecida a Síndrome de Asperger, incluída no DSM-4 (“Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders” ou “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais”) publicado pela Associação Psiquiátrica Americana e no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde) – definido da seguinte forma: Transtornos gerais do desenvolvimento com déficits graves e alterações em diversas áreas do desenvolvimento, como a interação social, a comunicação, ou na existência de comportamentos, interesses ou habilidades estereotipadas. Também incluídos: Autismo infantil, Síndrome de Rett, Síndrome de Asperger, Transtorno desintegrativo da infância e Transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação. Atualmente, já publicado o DSM-5, são conhecidos como todos pertencentes ao "Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)" enterrando definitivamente o conceito de Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), que não só era bastante confuso, mas também ambíguo.

Nos dias atuais, já existe certamente uma "moda" instalada, referida ao autismo e existem muitos filmes ou séries de TV que incluem um personagem – pelo menos – com características autísticas, com base numa parte específica mínima do espectro: os "savants" ou pessoas com um enorme conhecimento em uma determinada área particular e com problemas de socialização. Também – a partir dos países centrais ou desenvolvidos – começaram a surgir associações e entidades que foram bem sucedidas na divulgação deste espectro particular de transtornos à população, a alcançar dessa maneira uma maior tolerância a comportamentos bizarros das crianças, tanto em espaços públicos quanto no sistema educacional, com perguntas, idas e vindas e nada muito bem definido, se generalizaram diferentes paradigmas baseados na integração e na inclusão. Da Universidade da Califórnia, a tenaz equipe de pesquisadores liderada pelo Dr. Ole Ivar Loovas (1932 – 2010) emerge e sistematiza o método ABA (“Applied Behaviour Analysis” ou “Análise Comportamental Aplicada”) como uma ferramenta educacional, que usa um processo ordenado chamado Discrete Trial Training (“DTT” ou “Ensino por Tentativas Discretas”) – originado – entre outros – pelo Dr. Charles B. Ferster em 1960 e que aplicara, com sucesso, os princípios do behaviourismo com base no reforço de comportamentos desejados e punições inadequadas em crianças com autismo no Linwood Children Center (MD). O ABA administrado em idade muito precoce e necessariamente adaptado a cada criança em particular, altera positivamente o presente e o futuro da criança com autismo. Em breve, outros métodos baseados no mesmo princípio, como o Picture Exchange Communication System (PECS), Pivotal Response Training (PRT), Verbal Behaviour (VB), Comprehensive Application of Behaviour Analysis to Schooling (CABAS®) etc. buscam melhorar a qualidade de vida das pessoas com autismo.

Nosso país (Argentina) – apesar de ser dominado pela cultura da psicanálise, que nega o conhecimento científico – não tem sido a exceção e tanto pelas [lutas] das associações de pais, bem como pelos destacados profissionais, entidades de prestígio e a excepcional Lei 24.901 de proteção às pessoas com deficiência está sendo alcançado de forma "razoável", mas ainda com progresso muito no sentido de integração educativa e social das crianças com autismo, que nos coloque na vanguarda na América Latina.

Mesmo assim, não há nenhuma intenção de fazer uma real e verdadeira "detecção adiantada" do autismo em crianças pequenas, ainda que existam instrumentos para fazê-la através de um teste simples com a idade de 18 a 24 meses; existem poucos centros especializados em educação e no tratamento nos casos mais graves que, curiosamente, são muito numerosos e o Estado não apoia a manutenção dos já existentes, ou nem criar novos [centros]. Inexistem ainda cursos de Ensino Superior ou universitários relacionados à saúde ou à educação que sequer mencionam o autismo. Outro problema é a ausência de métodos ou espaços que prestem conhecimento às famílias dessas pessoas, que sofrem um prolongado e incomum estresse pessoal somado a um isolamento social que persiste apesar da maior conscientização do transtorno e o provável aumento do tempo para encontrar um diagnóstico, o certificado de incapacidade, inscrever-se num Serviço Social, “matricular” a criança no jardim infantil, buscar uma “cuidadora” ou uma escola especial ou um centro terapêutico educacional. Merecem também um capítulo à parte as festas de aniversário, a ida a um restaurante ou a participação em qualquer espaço público, ao dentista, as “visitas”, os “Anos Novos”, as férias, os parentes etc. Nada disso é comparável à particular angústia causada pela chegada da puberdade e adolescência e o amargo sentimento que se apodera dos pais perante o futuro incerto: "quando eles [os pais] já não estiverem aqui para cuidar deles [dos filhos autistas]".

Apesar de a ênfase ser comum nas crianças, o autismo é uma síndrome que dura toda a vida do indivíduo e a expectativa de vida são semelhantes ao resto da população. Estatísticas sobre as pessoas com autismo são impiedosas e estima-se que pelo menos uma criança de oito anos, em cem, sofre de alguma forma do transtorno de acordo com os novos critérios de diagnósticos, (embora alguns destes tendem a ser meio precários). Assim, o futuro das crianças e jovens, diagnosticado com autismo não diferirá muito dos atuais adultos com autismo: enquanto seus pais viverem e puderem, estarão em seus cuidados. Depois, viverão em conjunto habitacionais, “lugares” populosos, hospitais psiquiátricos e "colônias", e finalmente, e em total coincidência com Michel Foucault, "onde a sociedade mantém sua loucura".

Diante de um Estado ausente de iniciativas, a proposta superada é a que propõe a força das associações e organizações que procuram mudar este ilógico e absurdo presente: nos Estados Unidos, a Autism Society of America (“ASA” ou “Sociedade Americana de Autismo”), fundada em 1965 por Bernard Rimland, PhD, junto com Ruth Sullivan (mãe de Robert, que serviu de inspiração para o roteiro de "Rain Man"), conseguiu chegar à criança de um “sistema" que atualmente tutela. Consiste em pequenos grupos (até 10 residentes), que vivem na sociedade gerida por eles mesmos – quando isso é possível – ou assistidos por pessoal treinado e controlado pelas entidades. Conservam dessa forma o sentido de sua individualidade, o potencial do trabalho, a amizade entre os pares, o domínio sobre seus pertences e conforto e a possibilidade de cuidar de si mesmos e de seu espaço pessoal com responsabilidade, a cumprir as "obrigações" com relação à limpeza comum, à organização geral, à preparação de refeições, sair e desfrutar do conforto de viver em comunidade e não por fora desta. Isso é um sonho? Talvez, mas na prática tem provado ser mais eficaz no cuidado do bem estar, da independência e da saúde dos moradores, bem como – e curiosamente – é muito mais econômico para o Estado do que as "colônias" ou "lugares", como são conhecidos nestas latitudes.

De como cuida o Estado de seus seres mais vulneráveis se deduz a qualidade de seus habitantes e este  convenhamos  não fala bem de nós ou das nossas instituições. Certamente o autismo contém genes misteriosos ainda não revelados que estão expostos nos comportamentos estranhos e intensos de suas condutas, algumas exóticas, outras lógicas, e mais ainda indecifráveis. Nos últimos 15 ou 20 anos o conhecimento científico permitiu-nos entendê-los, comunicar-nos e socializa-los a níveis impensáveis no passado, no entanto  e apesar do fato de que eles crescem e envelhecem – continuam a ser eles, os seres mais interessantes que habitam o nosso planeta.

Disponível em http://autismodiario.org/2013/07/04/autismo-vida-adulta-y-envejecimiento/(acesso em 15 de fevereiro de 2015)

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[1] Claudio Hunter Watts é licenciado em psicologia e sócio-fundador da Cooperativa San Martín de Porres.

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